janeiro 24, 2008

Os Perfumes




O Perfume é o invólucro invisível,
Que encerra as formas da mulher bonita.
Bem como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a sultana habita.


Escrínio aveludado onde se guarda
Colar de pedras — a beleza esquiva,
Espécie de crisálida, onde mora
A borboleta dos salões — a Diva.


Alma das flores — quando as flores morrem,
Os perfumes emigram para as belas,
Trocam lábios de virgens — por boninas,
Trocam lírios — por seios de donzelas!


E ali — silfos travessos, traiçoeiros
Voam cantando em lânguido compasso
Ocultos nesses cálices macios
Das covinhas de um rosto ou dum regaço.


Vós, que não entendeis a lenda oculta,
A linguagem mimosa dos aromas,
De Madalena a urna olhais apenas
Como um primor de orientais redomas;


E não vedes que ali na mirra e nardo
Vai toda a crença da Judia loura...
E que o óleo, que lava os pés do Cristo,
É uma reza também da pecadora.


Por mim eu sei que há confidências ternas,
Um poema saudoso, angustiado,
Se uma rosa de há muito emurchecida,
Rola acaso de um livro abandonado.


O espírito talvez dos tempos idos
Desperta ali como invisível nume...
E o poeta murmura suspirando:
"Bem me lembro... era este o seu perfume!"


E que segredo não revela acaso
De uma mulher a predileta essência?
Ora o cheiro é lascivo e provocante!
Ora casto, infantil, como a inocência!


Ora propala os sensuais anseios
D'alcova de Ninon ou Margarida,
Ora o mistério divinal do leito,
Onde sonha Cecília adormecida.


Aqui, na magnólia de Celuta
Lambe a solta madeixa, que se estira.
Unge o bronze do dorso da cabocla,
E o mármore do corpo da Hetaíra.


É que o perfume denuncia o espírito
Que sob as formas feminis palpita...
Pois como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a mulher habita.

(Castro Alves, Os perfumes)

2 comentários:

Mari disse...

É por isso que:

"...Estou tentando fotografar o perfume (...) Para te escrever eu antes me perfumo toda (...)." - Clarice Lispector

Anônimo disse...

Você sou escolher o poema!

Castro Alves é viril, poeticamente, no que propõe... rs!

/// Abraços, flores, estrelas...

O Que Sou:

Um misto de:
Fracasso e conquista,
Coragem e medo,
Brutalidade e fragilidade,
Vida e morte, mulher e bicho,
Sonhos e pesadelos.
Sou um fio de esperança.

"Um misto de fracasso e de conquista.
Um medo transmutado de coragem.
Tão frágil como a rosa que se avista.
Brutal no cinzentismo da paisagem.
Assim mulher e bicho me retrato.
Mesclando o pesadelo com o sonho.
E vivo de incertezas... e me mato.
Num fio de esperança que reponho."
(Jorge)

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin