dezembro 12, 2008

"O Rouxinol" - Jorge


"Não há ainda muito tempo, vivia numa bela cidade do centro da Europa um famoso alquimista chamado Konrad.
Konrad era um homem estudioso e solitário, e toda a gente o considerava um sábio. Tinha por hábito dar grandes passeios nocturnos e só regressava a casa pelo romper da aurora. Os vizinhos, em particular o padeiro e o leiteiro, diziam que chegava sempre com os bolsos do casaco a abarrotar de folhas, ramos, pedras e outros objectos difíceis de classificar.
A casa que o alquimista habitava ficava numa rua estreita que ia desembocar na praça principal. Era branca e tinha muitas janelas nos andares superiores.
Konrad vivia no rés-do-chão e ocupava um minúsculo quarto que lhe servia de laboratório. Para além do quarto, tinha acesso a uma cozinha raquítica e a um jardinzinho permanentemente invadido pelas ervas daninhas. Apesar da pobreza dos seus aposentos, Konrad amava-os e jamais lhe passara pela cabeça ir morar com os outros alquimistas no bairro chique da cidade.
Não muito longe da residência do alquimista vivia Hans, o aprendiz de alquimia.
Hans era um rapaz magro, de cabelo desgrenhado e a quem um sorriso meio traquina tornava extremamente belo. Filho duma pobre família de vendedores de castanhas, desejava aprender com Konrad o segredo de transmutar os metais em ouro, para assim poder dar uma vida melhor aos pais.
O seu trabalho em casa do alquimista não era difícil nem pesado e consistia em preparar os recipientes para a fervura das plantas, manter uma pequena lareira acesa e seleccionar, de acordo com determinadas características, os diversos objectos que Konrad trazia para casa. Também estava incumbido de alimentar os pássaros que pousavam no jardim e essa tarefa, mais que outra qualquer, enchia-o de felicidade. O jovem Hans adorava ouvir os pássaros e, muito em particular, um pequeno e canoro rouxinol que aparecera no jardim numa quente noite de verão. Durante horas a fio, o rouxinol deleitava o rapaz com o seu trinado melódico e apaixonado recebendo em troca suculentas e adocicadas sementes de girassol.
Certo dia, quando o Outono começava a colorir as folhas verdes das árvores, o alcaide convocou os alquimistas para o palácio da cidade e propôs-lhes um desafio. Cada um deveria levar-lhe um presente por si indicado, e aquele que lhe levasse o mais sublime receberia uma palma de ouro. A Konrad foi pedido que levasse uma rosa vermelha, pedido que muito entristeceu o alquimista por julgá-lo de fácil concretização.
O tempo passou e Konrad enredou-se cada vez mais nos seus estudos sem prestar atenção ao pedido do alcaide. Chegou o Inverno e com ele vieram as primeiras neves. A cidade cobriu-se com um belo e fofo manto branco e as águas paradas dos lagos congelaram. Só o rio, como o tempo, continuava a correr.
Durante os minúsculos e frios dias de Inverno, Hans continuou a alimentar o seu amigo rouxinol e a escutar-lhe melodias cada vez mais intensas e belas. Nem a desolação da paisagem provocada pelo frio extenuava o rouxinol.
Entretanto, o dia combinado para Konrad entregar a rosa vermelha ao alcaide aproximava-se. Hans sentia um peso esmagador no peito enquanto olhava para o seu mestre debruçado sobre os velhos livros de alquimia.
Konrad parecia ter-se esquecido completamente do pedido do alcaide e Hans não suportava a ideia de vê-lo humilhado junto dos restantes alquimistas. Assim sendo, decidiu alertá-lo. O alquimista ouviu-o atentamente e prometeu-lhe que nessa mesma tarde iria ao seu jardim e colheria a mais bela rosa vermelha que lá houvesse. Contudo, quando Konrad se dirigiu ao jardim não encontrou uma só rosa vermelha na roseira. Ao invés, havia lindas rosas brancas que desfeavam a neve. Era Inverno e em nenhum outro lugar encontraria rosas vermelhas. O alquimista sentiu então um calafrio pelas costas. Faltavam apenas alguns dias para o encontro com o alcaide e agora tinha a certeza, a certeza absoluta, de que não encontraria uma única rosa vermelha em toda a cidade nem, talvez, em todo o pais. Sem perder a calma, Konrad mergulhou no laboratório e pediu a Hans que lhe levasse a mais bela rosa branca do jardim. Estava decidido: iria criar a mais perfeita rosa vermelha de todos os tempos. Não era ele um alquimista?!
A tarde desse dia passou e sobre ela horas e horas de trabalho sem que o alquimista conseguisse criar uma rosa vermelha. O melhor que conseguia eram perfeitas rosas de cor pálida, com perfumes tão delicados e doces que enlouqueceriam o perfumista mais exigente. Porém, por mais que tentasse, por mais fórmulas que a sua mente brilhante conseguisse criar, Konrad continuava sem descobrir o ingrediente que daria às rosas a cor desejada.
Hans assistia ao fracasso do mestre da soleira da porta. Não ousava perturbá-lo e a cada tentativa deste para criar a rosa o jovem aprendiz esticava o pescoço na esperança de vê-la surgir. Impaciente, saiu para o jardim.
Estivera a nevar e o céu estava cinzento. Hans olhou para o rio e depois para a ponte coberta de neve. Depois voltou a sua atenção para os ramos nus do salgueiro. Ali pousado, indiferente ao frio, estava o rouxinol.
Hans começou a chorar. Era demasiado triste suportar a ideia de que Konrad fracassaria, e a música do rouxinol, que tantas e tantas vezes o alegrara, naquele momento apenas tornava maior a sua tristeza.
Como se compreendesse o rapaz, o rouxinol interrompeu o canto e olhou-o demoradamente. Depois levantou voo do ramo onde estivera pousado e descreveu meia dúzia de voltas em redor do aprendiz. Hans viu-o pousar num ramo mais afastado e depois mergulhar no interior duma espinhosa roseira. Há medida que o terror crescia no coração de Hans, um espinho enormíssimo enterrava-se no peito do rouxinol. A ave continuava a cantar e o seu canto assemelhava-se agora a uma dolorosa despedida. Quando Hans o pôde alcançar no meio da roseira a sua voz de cristal era apenas um ténue fio de música e a seu lado, caída na neve, estava a mais bela rosa vermelha que Hans alguma vez vira.
O rouxinol sacrificara a sua vida para que Konrad, o mestre alquimista do jovem aprendiz, pudesse levar ao alcaide a rosa prometida. "

Jorge

Um comentário:

Jorge disse...

obrigado pela postagem, amiga.

beijo muito grande.

O Que Sou:

Um misto de:
Fracasso e conquista,
Coragem e medo,
Brutalidade e fragilidade,
Vida e morte, mulher e bicho,
Sonhos e pesadelos.
Sou um fio de esperança.

"Um misto de fracasso e de conquista.
Um medo transmutado de coragem.
Tão frágil como a rosa que se avista.
Brutal no cinzentismo da paisagem.
Assim mulher e bicho me retrato.
Mesclando o pesadelo com o sonho.
E vivo de incertezas... e me mato.
Num fio de esperança que reponho."
(Jorge)

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