Na última sexta-feira, lá estava eu no ponto de ônibus esperando o segundo "catalouco" que me leva até em casa, um vento gelado no corredor da Av. Rebouças. Sem ter o que fazer (somente esperar) retirei do envelope um dos poemas (que minha irmã pediu para a apresentação do sarau que ela terá na próxima semana).
Era o poema abaixo, fui lendo. Até que escuto o voz:
- É poesia?
Olhei para o lado de onde vinha aquela voz delicada. Era uma senhora elegante, de uma beleza simples. Acompanhada por um senhor elegante também.
- Sim! É poesia.
- Qual o poeta? Qual poesia?
- Gonçalves Dias; "Se se morre de amor".
- Pode ler para nós? Adoramos poesia.
Foi engraçado o pedido. Mas eu que já pago todos os King Kong´s (afinal, Mico é pouco) da vida, pagar aquele ali era fichinha.
Li o poema.
Ganhei um sorriso daquele casal; a senhora continuou a conversar comigo.
Falamos de outros poetas, falamos da falta de novos poetas.
Meu "catalouco" apareceu.
Fui embora, mas continuei pensando no poema.
Se se morre de amor! — Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n'alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d'amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D'amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,
D'altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr'ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D'aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!
Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu'olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d'ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr'ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Se tal paixão porém enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas — em puro céu d'êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;
Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!
Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, — às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n'alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d'amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D'amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,
D'altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr'ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D'aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!
Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu'olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d'ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr'ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Se tal paixão porém enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas — em puro céu d'êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;
Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!
Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, — às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!
(Gonçalves Dias)
10 comentários:
Cada um com uma visão do amor. Com suas dores e alegrias. Desilusões e ilusões.
Uns sufocam por amor, se sufocam. Outros matam, ou se matam.
O amor pode ser vilão, ou o mocinho. O herói ou o bandido. Depende de cada um.
Muito bonito, não conhecia.
Estava aqui e você lá. beijo
Bom dia, Beija
Que lindo esse poema, não conhecia.
Concordo com a Paula, o amor realmente pode ser vilão ou mocinho. Depende de nós.
Esse sarau vai ser quando e onde?
beijos
Lindíssimo espaço!!!
Parabéns!
Tenha uma perfeita semana!
Um grande abraço.
O melhor agora foi ler sobre esse encontro. Adoro encontros assim, momentos que inexplicavelmente nos acontece e que nos deixa pensando. Acho sempre significativos.
Um prêmio você recebeu, alegrou três corações e ali fez um sarau. rsrs
abraços
É um lindo poema,minha amiga.
Peço desculpa pela minha ausência de visita.Por aqui,começou o Verão de forma agressiva,temperaturas altíssimas para a época.
Quanto a mim,continuo a tratar de alguns problemas técnicos:tenho peças fora de prazo e,por enquanto,ainda não inventaram peças de substituição.
Um abraço.
Na verdade não se morre de amor, se morre pela falta dele...
beijão e boa semana
...bom dia querida Beija!
Gonçalves Dias é sempre
bom.
mesmo quando retrata o
amor de forma dolorosa.
um beijo procê!
Beija-Flor, tão bom morrer assim de amor. este poema é belíssimo. Nunca canso de ler e reler. bela postagem menina.
Beijos com carinho.
Cleo
Que poema bonito, gosto de Gonçalves Dias...
Mas a situação foi interessante, eu também dou assunto a quase qualquer um na rua!! hehehe!!
Beijos!!
se se morre de amor quero que morra/
que o ar dos seus pulmões se petrifique/
que o sangue nas artérias já não corra/
e num sorriso exangue o rosto fique.
se se morre de amor quero sinta/
o álgido calor que me percorre/
enquanto no meu corpo o sangue morre/
a palidez funérea o rosto pinta.
se se morre de amor morramos juntos/
nos braços um do outro como amantes/
e desçamos à terra triunfantes/
arautos do amor quando defuntos.
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